Goiás Interior - A notícia como ela é !
×
Miguel Patrício -

TOMÉ, O FANTASMA 5o303o

No tempo em que eu morava na fazenda, era comum se ouvir falar de fantasmas e das histórias que contavam sobre eles. Vira e mexe uma assombração aparecia ou desaparecia pela casa, no cemitério, na beira do córrego, na estrada que dava o ao lugar. Parece até que esses seres de outro mundo eram personagens naturais que se misturavam às pessoas, aos animais, aos causos que nasciam junto às fogueiras do quintal nas noites frias e escuras do inverno. 282c5y

Muitas aparições, entretanto, eram tramadas por alguém mais alegre, brincalhão, que levava a vida “numa boa”. Sempre havia aquele que se divertia à custa de outros, ando medo, se fazendo ar por fantasmas. Um desses casos eu presenciei. O personagem era Tomé, um peão da fazenda, rapaz trabalhador, amigo de todos, sempre bem-humorado e disposto a aprontar uma brincadeira. Quando alguns colegas saíam à noite para ir ao povoado mais próximo ou se divertir em algum pagode nas redondezas, ele já se preparava para executar sua arte. Com uma desculpa qualquer, ausentava e se escondia no denso capinzal próximo da porteira velha, à espera das vítimas. O lugar era ideal, pois se encontrava dentro de uma mata fechada cujas árvores se curvavam sobre o caminho, com seus longos braços esticados. Mesmo que a noite fosse de lua, a escuridão era quase total e quem ava por ali tinha o costume de acelerar o o, principalmente depois dos boatos que começaram a surgir sobre os frequentes assombros.

Ali, amoitado, o rapaz ficava o tempo que fosse preciso. Logo o grupo de pessoas se aproximava, adentrava o sinistro local e abria a porteira. Nesse exato instante, junto ao rangido da madeira, um longo gemido se ouvia, um triste lamento de uma alma penada que havia se perdido e aparecia ali naquele fim de mundo em busca de oração para acalmar um pouco seu sofrimento. Ouvindo aquela súplica, não havia quem não arrepiasse o corpo inteiro e se lançasse, a pé ou a cavalo, numa correria desenfreada para o mais distante possível. O rapaz se engasgava de tanto rir e voltava contente para a fazenda, contanto aos amigos mais chegados o resultado de mais aquela trapaça.

Dizem que tudo o que se faz nesta vida se paga e às vezes com juros. Penso que foi isso mesmo o que aconteceu. Depois de semear o medo por inúmeras vezes, Tomé se postou mais uma noite no matagal para esperar a volta de alguns colegas que foram a uma festa religiosa na fazenda vizinha. O tempo foi ando. A noite parecia mais negra que de costume, e o frio da madrugada já começava a incomodar. No entanto, ele não desanimou; valia a pena esperar. E quando o ruído das vozes e dos os alcançou o local, ele se ajeitou entre o capim e fez sair da garganta o mais apavorante gemido que conseguiu emitir. As pessoas se silenciaram e se ajuntaram no meio da estrada para entender o que acontecia. Em seguida, cientes da real presença de um fantasma, desabalaram numa carreira em direção à fazenda.  Nesse instante, enquanto o rapaz se curvava de tanto rir, para sua surpresa, ouviu atrás de si uma voz verdadeiramente fantasmagórica dizendo: “Você tá abusando!”

Aquele som trêmulo e rouco, característico das vozes de outro mundo, arrepiou suas costas, seus cabelos e sua alma. O sussurro gutural se repetiu, e seus pelos se eriçaram furando a roupa. Tomé se lançou pelo capinzal, pulando cercas e tombando o mato no peito. Chegou ao terreiro da fazendo junto às outras pessoas que corriam à sua frente. Nunca mais Tomé se fez ar por fantasma.

Edições Anteriores 5b311j
Goiás Interior TV 6i3l2k
  35h30
  35h30
  35h30
  35h30
  35h30