A fazenda ficava na baixada onde ava o córrego que, feito serpente, se esgueirava pelo mato e se perdia mais à frente entre os buritis e as folhas verdes do são josé. O quintal, a horta, a bica d’água, a rústica cerca do mangueiro. Meu pai, minha mãe, meus irmãos, tudo normal não fosse uma luz na cabeça do poste no canto da cerca que subia a ladeira e seguia rente à estrada que dava o ao lugar. Uma luz vermelha, mais forte no centro, mais clara nas bordas. Assim, mais ou menos deste tamanho, maior que uma lâmpada, menor que uma lua cheia. Era só o sol se pôr, ela aparecia. Estava habitualmente ali para quem quisesse olhar; não dava chance àqueles que ousavam duvidar. Sempre à mesma distância, uns cem metros, sobre o poste no canto da cerca. Nós sentávamos em tamboretes na porta da sala e irávamos aquele brilho, aquele mistério. Minha mãe dizia que aquilo era a Mãe do Ouro. Quem conseguisse alcançá-la, ficaria rico. Muito rico! Só havia um problema: a luz atraía as pessoas, mas fugia sempre que alguém se aproximava. Calmamente, distanciava-se de poste em poste ou planando no ar, mantendo-se à mesma distância inicial de seu perseguidor. Houve relatos de inúmeras pessoas que se lançaram nessa aventura e nunca mais voltaram. 142me
Certa vez, com a chegada de alguns vizinhos, a coragem se ajuntou e fomos ao encalço da luz. Nas mãos, lanternas e facões. Homens, mulheres, crianças e até cachorros. Partimos em busca do tesouro. E as narrativas se revelaram verdadeiras. À medida que chegávamos, aquela esfera cintilante mudava de pouso. Quando alcançamos o último poste da cerca, ela margeava o bosque da reserva. Depois voou por sobre o capim até ao sopé do morro, nos observando. Apertamos o o e iniciamos a subida da encosta. Nesse ponto, seu brilho parecia mais intenso. O ouro deve estar no cume do morro, alguns disseram já cansados da jornada no incerto terreno escurecido pela noite. Quando vencemos a elevação, a estranha aparição sobrevoava a mata que circundava o córrego, o mesmo da sede que, depois de uma grande volta, também corria por aqueles lados. Paramos ali. O cansaço, o medo, as crianças, alguns menores já nos braços, faziam a perseguição inútil.
Eu participei daquela estranha romaria e guardei comigo todos os detalhes, principalmente o último: quando pisamos de volta o terreiro da fazenda, olhamos para trás e lá estava a luz sobre o poste. Parecia não ter saído dali. Lançava sobre nós o seu clarão, quase nos fazendo crer que toda a caminhada tinha sido um sonho, um descuido da razão. As dores nos pés, os arranhões dos galhos secos nas pernas, os carrapichos nas barras das calças provavam o contrário. O tempo ou e nos acostumamos com aquela presença. Era mais um vizinho, um estranho vizinho que brilhava sua obscuridade. O tempo ou, eu cresci, mudei-me para a cidade e aqui estou ainda em busca de minha mãe do ouro. Um pouco mais moderna, é verdade. No entanto, aqui também ela se distancia quando me aproximo. Já estou cansado dessa luta...